Só por saber

Não podia nem sequer alimentar em mim algum tipo de remorso. Deparei-me sozinha, sentada no sofá de um lugar no centro da sala. O dia se despedia enviando o pôr do sol, que graciosamente invadia a sala fria com seus tons quentes cor de laranja. O velho apartamento me abraçava de um jeito viril, exigindo até algum tipo de distanciamento. Tudo estava sempre do jeito que eu deixava antes de sair de casa – ora destinada, ora sem rumo, acompanhada ou sozinha, porém, lá dentro, só. Não vazia, pois havia – e há – todo aquele amor mal manejado, toda aquela abstinência de te ver... Passei a observar a decoração feita sem planejamento – toda casa precisa de um sofá, cama e fogão, não é? – e o copo de uísque quase vazio por pouco não deslizava de minha mão trêmula e pedante. Só nessa brincadeira de contar grãos a noite já havia chegado – misteriosa, imponente, convidativa... É preciso falar, expulsar de mim as verdades sempre ditas, mas nunca acreditadas. Apesar do banho tomado, da cama feita e da comida pronta no fogão “duas bocas”, você não estava e nem estaria ali. Talvez um dia, e é esse talvez que fazia – e faz? – o banho ser tomado, a cama feita e a comida preparada. O meu lado na cama ardia – e arde – com todo esse desejo medíocre de te possuir, te fazer ser em mim – teu corpo dentro do meu sem resistências ou obstáculos. – mas o teu lado na minha cama nunca fora de fato teu, mas eu guardava – e guardo – com carinho para te receber. Não tenho teu número na minha agenda, só tuas imagens na memória, como quem desafia e entrega-se ao destino. Porque no meu lado ardente da cama, sussurro noite após noite antes de dormir: “sei que vou te ver, sei que vou te ver, sei que vou te ter...”. Talvez querendo persuadir o destino a não deixar tudo como está. Porque assim tá ruim, querido... Acredite. Os dias se passam e esse apartamento se torna cada vez mais inóspito. Não sou somente eu que grita pela tua presença, mas também os pisos, tapetes, louças, lençóis... As quatro paredes do meu quarto, a água da pia, o teu lado na minha cama... Cada canto insignificante de mim e do meu lar. Há quem julgue minha coragem ao te dar tamanha certeza de meus sentimentos. Mas uma vez que amo aceito as consequências. Às vezes hesito, é verdade, mas é só por um momento. Além do mais, de migalha em migalha você passou a me conhecer muito bem – não por completo, entenda. – que sabe perfeitamente quando te amo e finjo não amar. Interpretar o esquecimento cansa, por isso, permito-me. Mesmo que com isso eu acabe com o mistério que causa excitação... Não é necessário o mistério para fazer despertar em ti o desconhecido quando falamos de mim. Não é pretensão, amor. É te conhecer e saber que há em nós um mutualismo. Eu tenho o que falta em ti e vice e versa. Não é (só) físico. É de amor que falo em primeiro lugar. Por isso que mesmo que eu tente é impossível acrescer o remorso dentro de mim. Porque tentei, tento e continuarei tentando de todas as formas te trazer pra mim. Não é ilusão, garoto. Isso tudo é fruto do desvio do teu olhar, da hesitação da tua fala, da incerteza das tuas verdades. Porque ouvi tua pele sussurrando que precisa de mim e do meu terno amor. Porque sei e só me entrego, branda, ao destino por saber que não acaba aqui. Só por saber.

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