Vem


O nó da gravata estava ridiculamente mal feito, o terno não combinava com o sapato, o cabelo nada apresentável e a barba já passara do estágio “por-fazer”. Dentro daquela roupa eu vi um menino metido a homem que tenta incessantemente ser igual a todo mundo e que sofria por ser diferente dos demais. Que culpa tenho eu se meus olhos quiseram preencher o vazio dos olhos dele? Vi de longe que ele conseguia enganar os tais que ele tanto queria ser igual, mas se enganar? Quem consegue? Quem consegue fugir de si?
Olhar vazio, medo de si... E de mim. Ele me disse quase que orgulhoso que ele não era quem eu pensava que era. Só me restou dizer “lamento, mas eu nunca pensei que você fosse ninguém além do que você é”. Passei a amar a pessoa que ele não aceitava ser, mas era. E nem ele nem eu entendíamos de onde vinha tanto zelo, tanto apelo, tanto amor... Tanta devoção por alguém que não se orgulhava de seus atos, que trocava o certo pelo errado, que preferia se deixar levar pela multidão. Ele me perguntava o que eu havia visto nele, o que me fazia amar alguém tão diferente de mim. Talvez sejam os olhos vazios pedindo ocupação. Ou os cabelos desgrenhados precisados do meu carinho. Ou o corpo desabrigado e necessitado das minhas mãos, a alma sem o rumo dos meus passos, o coração preparado para o estrago do meu amor. E não cansava de dizer “tanto zelo, tanto apelo, tanto amor, tanto zelo, tanto amor, tanto apelo...” e soava quase como uma oração feita com fé. Tanto tempo depois e olha aqui, eu ainda amo esse menino, ainda menino embora insista em se fazer de homem. Ainda ofereço meu zelo, meu apelo e meu amor.
Vem que aqui tem alguém que te aceita, que te cuida, que te anela. Vem ocupar meus olhos, percorrer meu corpo, me dar teu amor. Vem me acariciar os cabelos, me sufocar de beijos. Vem te ser que eu te amo assim.

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