Jardim Inconcebível

Abri todas as janelas da casa para desintoxicá-la de ti. Mas onde estão essas janelas em mim? Espalhadas? Escondidas? Se eu encontrá-las, emperradas? Penso serem inexistentes, já que tentei de todas as formas te tirar de mim. Não mais teu cheiro, a música, o toque, mas tudo aquilo que te trazia e traz de volta pra mim, tudo aquilo que representava e ainda representa você. É esse ainda que me enjoa. Esse estado permanente de dia nublado ainda que o sol brilhe em cima de mim. É querer não querer e continuar querendo. É merecer mais e se contentar com tudo aquilo que não me pertence. Não que você seja pouco, não é nada disso. Mas é um muito que não é meu. E eu sou um demais que não foi permitido a você, e ainda assim nos envolvemos e nos misturamos e nos encaixamos de tal forma que suscitou-se em mim o que acreditava ser impossível de existir em minha vida. Cercada por barreiras ardilosamente construídas com o passar dos anos, fui invadida. E houve a intenção de que eu fosse conquistada. Nunca fui tratada como todas aquelas outras tão disponíveis. Eu fui desejada, abordada, reconhecida, procurada. Mas caí. Caí como quem tropeça e vira o pé: dói, você fica no chão esperando que alguém te levante e mesmo que esse alguém apareça, mesmo que você se erga, seu pé continuará torcido, doído, quebrado. Caí quando senti vontade de te chamar de amor, quando quis espalhar teu perfume pela casa, quando quis fazer nada contigo numa sexta feira à noite. Caí quando te desejei, abordei, reconheci e procurei. Quando passei a fazer o que era seu dever por obrigação. Mas os erros não vêm ao caso, eles já são o caso e não merecem destaque.

Foi bonito, intenso, profundo. Foi. De verdade. Também inesquecível e com gosto de sábado de manhã. É verdade que faltava reciprocidade em alguns aspectos, como você ser o primeiro a me conhecer tão lá dentro, mas eu não ser a primeira a te olhar diferente. Mas acontece, não é? Aprendi que não existem dois lados certos, na hora certa. Aliás, não existe nada cem por cento certo. Ainda bem. Cadê os erros nessa palhaçada de acerto integral? Meu foco não são os erros, mas os acertos do depois-do-erro, entende? Sei que não. Também demorei a entender. Corri riscos e senti meu estômago doer mais que a própria dor saturada. Engraçado que eu que nunca tive medo comecei a ter. Temer de verdade como se dar um passo a frente fosse me sugar a vida até não haver mais fôlego respirável em mim. É verdade que aumento o contraste dos fatos. Escureço as cores e deixo o jardim ficar quase inconcebível, mas essa sou eu. Eu, que te traria Marte nos braços, mesmo que queimasse e consumisse minha pele. Que te cuidaria – e bem que tentou cuidar, porém sem sucesso – como mãe e mulher. Dois em um. Eu comigo e sem você. Ainda que juntos, não nos pertencíamos. Nos encontrávamos, sentíamos, gozávamos de boas lembranças, mas ao chegar em casa a verdade era intransponível: nossas esquinas eram mais paralelas que as faixas de pedestre da cidade. E ainda que não houvesse continuidade insistíamos em continuar. “Quanto mais alto maior a queda”, não é? Vi isso de perto. Isso e muitas outras coisas que guardarei dentro de mim até que te ver não doa mais. Até que eu não só entenda, mas também compreenda de dentro pra fora que não existe nós dois, mas que houve história e que dessa história tirei outra história. Quis dar o que não te pertencia, mas Deus sabe o que faz, amor. Eu sei que sabe porque não deixou que eu desse a outrem tanto amor bem regado, feito dama-da-noite no meu jardim admirável.

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