Procuramos no amor algum tipo de inocência, integridade ou explicação nobre para a extirpação de cada gota de energia que nosso corpo exala, mas não encontramos e permanecemos aqui, tortuosos, incrédulos, porém nunca desesperançados.
Diante desse paradoxo que conhecemos como amor, somos reduzidos a formigas ociosas e pusilânimes, a olheiras profundas e pensamentos suntuosos sem conclusão.
Ainda assim não desistimos, e se desistimos, somos inofensivos às artimanhas desse sentimento que nasce sem cópula e tem a paixão como gestação.
Antes fôssemos inexoráveis, pois só assim nos tornaríamos imunes ao amor. Mudamos e essa é a nossa natureza. A inércia não nos domina os instintos, apenas o desejo imprescindível de amar e ser amado porque fora ensinado que isso é belo, sem mácula.
O amor assemelha-se a um ladrão. Chega sem aviso, ardiloso, estuda as estratégias arromba a porta silenciosamente, se instala como um vírus e se alastra. Leva pouco a pouco cada vestígio de amor próprio, cada suspeita de capacidade de raciocínio. Nos tira a visão e nos aguça o tato, nos faz gostar de voar de encontro ao chão.
O amor literário há muito fora enobrecido, objeto de ambição, mas entrando em contato com sua realidade – noites mal dormidas, úlceras, desesperação, incômodo, êxtase... – passamos a enfrentar uma peleja ainda mais exaustiva – e invencível – a de querer fechar-se para ele.
Querer fugir dos tantos males que o amor nos causa, nos deixando canhestros diante da pessoa amada.
O amor só não é contrafeito quando procuramos esquecer um amor antecedente – em nós ainda presente – que nos abriu excruciante ferida que nos faz crer que seremos para sempre vulneráveis às circunstâncias que ele (o amor) nos impõe.
Dizem que se não somos simétricos um ao outro, podem ser feitos ajustes até que nos encaixemos e sejamos “felizes para sempre”. Digo “sempre” querendo dizer “até que os defeitos de ambos sejam maiores que a cumplicidade e o amor não nos tire mais o sono.”
Pode parecer rude, mas a ignorância humana se aplica em cada repartição vivida. Quando o amor alcança um estado sublime de interação entre os corpos, alma e espírito, faz-se silencioso, aparentemente domado, dando a entender que a batalha finalmente chegou ao fim. Mas é aí que vos alerto, meus senhores: quando o amor silencia é chegada a hora de lutar. De novo. Não mais contra o amor ou a pessoa até-então-amada, mas contra nós mesmos. É como se necessitássemos de infindáveis sinais para cremos no amor.
A paixão é exibida, o amor, gracioso. Faz-se bagunça dentro de nós – cabeça, coração, estômago. – e como quem subitamente adormece, mostra-se ausente. Precisamos estar atentos e buscar lá no fundo-do-fundo das nossas entranhas algum tipo de manifestação acanhada. É preciso desejar que os tempos sofridos de mortificação pessoal voltem. É necessário nos fazer acreditar que o amor não acaba, não vai embora deixando um bilhete de adeus, que as memórias e lembranças não são descartáveis e que aquele ser que dorme e acorda ao seu lado não é de fato simétrico a você, mas o fez e acredito veemente que ainda o faz feliz.
Não seja vulnerável como folhas ao vento. Não reduza o amor à sinais alarmantes.
Silencie quando ele entrar, obedeça quando ele mandar e quando ele se mostrar envelhecido, moribundo, lute. Não mais contra. Lute por ele, por você e pela pessoa que te ama de volta ou não, mas lute. Independente do que falem do amor. Só é preciso aceitar que nele coexistem milhares de adjetivos. O amor é lindo e também é feio. É amargo, doce e azedo. É sonho e insônia, vontade e plenitude. Mas é amor. É sempre amor.
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