Peixes Gêmeos

Minha necessidade não é de que seja imediato, nem eu sei se gostaria que assim fosse, mas gostaria que fosse só. Parece ser tudo tão errado. Nossos cheiros misturando-se como se não pudessem mais existir separadamente e é essa sensação de dependência que amedronta. A casa vazia parece tão cheia por estarmos ali. Mesmo que no breu é possível enxergar a luz. Aquela luz, sabe? A nossa luz misturada com energia de efeito egípciohipnotizante. Ah, e preciso te contar de todo o nervosismo antes de te ver, sabendo que falta muito-muito-muito pouco para sermos errados novamente. Você chega, eu abro a porta do carro e me sento, indiferente, ouvindo o choque das nossas partículas apenas por estarmos dividindo o mesmo ambiente. Eu te estudo, previsivelmente te impressiono. Você me toca lá dentro, remexe sem receio em tralhas velhas e mofadas que existem no fundo de mim. Sim, porque também acumulei quinquilharias ao longo desses anos amargos de cheiro doce. Teus olhos me tocam e me olham, fechados ou não. Você tem esse poder sobre mim. Cometemos erros distintos que não deixam de serem erros e só consigo te ver dormindo e pensar que tantos erros juntos só podem dar um acerto catastrófico de escala mundial. Bem que me lembrei, você dormindo... É nessas horas que me reaviva a certeza do teu medo-sem-fim de se deixar levar, fortificando minha vontade de te provar que eu sou o fogo pra tua lenha, o bobo da tua corte, a chuva do teu verão.

Digo-te não tão bem confiar em ti, mas é que confio em mim e sei que sou a caverna do teu amor desprotegido e desabrigado, trancafiado nos tecidos da tua pele, fantasiado de pouca-vergonha e promiscuidade.

E mesmo sendo cética em relação ao zodíaco reconheço não conseguir ficar fora do aquário e que a proteção acanhada e robusta de Gêmeos me envolvem de tal modo inebriante que quase me sufoco em minhas próprias águas. O melhor de nós dois é que não há território restrito que nos impeça de violarmos um ao outro, dizendo-nos nos conhecer melhor que nós mesmos. É que o coração se desfigura e se dilata só de pensar em te enganar, te fazer chorar, te fazer se encolher de novo nessa casca tênue entre o amor e o mundo. E por falar em sufocar, te escrever tem se tornado cada vez mais excruciante. São palavras e palavras nunca tão-boas a ponto de lhe caírem como luvas de soldado britânico fazendo pose para a rainha. Entrego-me aos devaneios de todas essas palavras e te misturo nesse vem-e-vai de muita informação desejo tesão carinho Peixes em Júpiter que te faz tão gêmeo e tão singular para mim.

E nada que façamos torna-nos vulgares, muito pelo contrario, tua boca percorrendo meu corpo revela um gostar canhestro e desembestado. Um desejo ímpeto de me olhar e dizer: “sou teu, só teu.”

E mesmo que não concordando entendo teu jeito moleque de se revoltar por ter demais na vida e esse teu comodismo que te faz esperar a vida se resolver sozinha, enquanto você desafia a bondade do acaso que te mantém vivo, debochado, displicente. Não se preocupe não, magrin. Eu tenho a mão perfeita para te corrigir e te amaciar. Te beijar e te fazer consumir nos encantos dos meus versos feitos sob medida para nós dois.

Já acostumei com essa insegurança que te faz me ter e me deixar, pensando em planos e mais planos, imaginando você me ligando e perguntando se precisa comprar pão e no almoço de domingo na casa da sogra que você tanto teme só por me querer tão bem. Mas me deixa e deixa em mim aquela pontiaguda certeza inflamando meus poros como quem diz “ele vai voltar” e se não voltar eu saio de roupa íntima te procurando, rosto por rosto até te achar e te beijar e te fazer meu como tem que ser. E agora enquanto escrevo me lembro de nós dois olhando o mar de dentro do carro porque tinha gente na praia e você não queria me deixar sair. Sempre com medo, receoso, abobado. Nessas horas me sai um sorriso de canto de boca regado de saudade e vontade de te abraçar. Percebo teu zelo, me olho no espelho, me lembro de tuas palavras me decifrando, me dizendo que não há ninguém como eu.

Você vai sumir, vai me procurar, eu vou te achar, te intimidar, me render. Vou vestir tuas roupas, falar bobagem, ser menina e mulher. Falaremos ridiculamente com voz de criança e eu encontrarei em teus olhos o sentido disso tudo. O sentido para estarmos ainda nos prendendo ainda que queiramos nos libertar só pela ideia patética de que no mundo há muito mais histórias boas de contar. Histórias boas para se lembrar são as de amor. Eu e você envolvidos nessa corda de três nós, eu me esforçando e tentando te tirar desses buracos esdrúxulos que você teima em se meter. Você cuidando de mim e confiando na minha integridade porque olhei no olhar dos teus olhos e falei que não te faria sofrer.

Você vai sumir, me procurar, eu vou te achar, te intimidar, me render. Vou vestir tuas roupas e tirá-las também. Nus, íntimos, ínfimos, vastos e intensos. Eu sei que vai porque eu vou também. Porque aprendi que não cabe a nós, garoto. É culpa da energia egípciohipnotizante produzida nos ascendentes do meu signo esnobando o teu.

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