A noite que não acabou


Era primavera, mas ainda fazia calor como no verão. Como de costume, ele não hesitou em ir me buscar. Como de costume, a ansiedade, o nervoso, a tensão. Sempre ia do fim-de-mundo dele até o meu fim-de-mundo para me ver. Era sempre noite e eu sentia que assim seria pra sempre. Ali ao lado dele, olhando pela janela, via toda aquela vida correndo, as nossas casas se distanciando, o mundo deixando de ser real... Silêncio. Depois do beijo, das piadas, do alívio de finalmente estar ali, sempre vinha o silêncio, ainda que breve. Ele colocava a mão na minha perna querendo dizer que o silêncio também é bom, e que ele conseguia ouvir o que eu queria dizer, embora eu não falasse. Eu dava um passo à frente, ele recuava dois. Eu dava a cara à tapa, ele se encolhia até não poder mais ser visto. É claro que com o passar do tempo as coisas foram mudando. Ele não cansava de dizer que não compreendia como eu podia entendê-lo tão bem e eu falava incessantemente sobre como eu sentia que o conhecia desde sempre. Eu dizia que sabia que ele tinha medo só para ouvi-lo dizer que quem tinha medo era eu, e talvez eu tivesse, mas era muito pouco perto da vontade de estar ali. Ele deitava no meu colo, balbuciava devaneios para me fazer rir, e conseguia; era menino e era homem, era meu e de mais ninguém. Eu que passei feito vento impetuoso, achando que estava descobrindo quem ele era, fui surpreendida: conheci a mim pela primeira vez. Dentre cabelos, dedos, pernas e bocas eu fui o que jamais havia sido. Fui por inteiro, fui mais dele que minha, vista a olho nu, rendida e sem resistência. Vestia as roupas dele, dançava sem freio enquanto ele me olhava com um sorriso penso mais pra um lado que pro outro e dizia baixinho que sabia que eu queria ser grande para o mundo e pequena para ele. Incontestável. Era nos braços dele que eu sentia o quão frágil e forte eu era. Você sabe, é preciso muita força para se expor ao amor. Fui e continuo tão forte que lembro e relembro de cada detalhe todos os dias, ainda que doa, ainda que impeça o processo natural do esquecimento, porque não quero esquecer, só não quero que doa. Foi bonito demais para doer, mas dói; a saudade dói para eu não me esquecer dele. E escrevo com amor, com fidelidade a cada lembrança, para que quem sabe um dia ele se esbarre nessas palavras dessa garota que não tinha nada a dar além de si mesma, e por isso se deu por inteiro, se entregou totalmente e hoje sente saudade.

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