Olha, eu sei que muita coisa já passou e você sabe de cor tudo que eu tenho pra falar, mas fica, tira os sapatos, só não repara a bagunça. Vamos conversar, mas de verdade, porque eu sempre falo demais, você ouve demais e faz breves comentários no final. Eu tava tão acostumada a não me importar com o que você pensava, porque eu sabia que o que você pensava ia destruir com cada noite que eu fiquei procurando as palavras certas, ensaiando uma cena, uma situação. É claro que nunca saía do jeito que eu idealizava, mas eu sabia que o que você tinha pra me dizer não ia fazer valer o esforço. Tudo bem, todo mundo diz que por amor vale todos os esforços, mas é pelo amor, meu bem, não pela dor. Você tá com fome? Sobrou pizza de ontem à noite. Tem certeza? Tá, onde eu estava mesmo? Ah, eu tinha medo da sua reação, porque eu reguei tanto esse sentimento, ele cresceu tão forte, tão robusto, que nas vezes que eu tentei sufocá-lo ele estufava o peito, imponente, me sentava no chão enquanto eu chorava e dizia: “Chora, querida. Chora que faz bem”. Por onde você andou? Eu sei por onde você andou, mas por que não estava aqui comigo? Eu senti tanta raiva, tanta vontade de te mandar pra todos os lugares feios do mundo, mas como sou educada resolvi ignorar e passar por cima desse sentimento de três metros de altura e cinco toneladas de puro músculo. Conheci um cara, dois, três, cinco, quando ficava muito chato eu te contava pra ver se você pensava “nossa, tô perdendo de vez.”, mas de tanto eu te falar todas aquelas coisas que você sabe de cor, você sabia que era só mais um carinha que não era você. Aí você sorria, seguro, confortável. Eu sei que eu queria ter uma conversa de verdade, mas deixa eu falar, deixa eu vomitar todas essas coisas porque você esteve longe por muito tempo e eu criei coragem pra ouvir a resposta. Você tem compromisso hoje à noite? Não quero atrapalhar. Meu bem, você despertou o que eu nem sabia que existia em mim, e nem é sobre amor que eu tô falando; é raiva, ciúme, drama, desejo, fantasia, calafrio, tremedeira, nervoso, insônia, mais desejo. Ah, e vontade de ter uma família. Você acredita nisso? Sei que não, eu também demorei pra acreditar. Logo eu que planejei ter apenas um filho só pra dar continuidade à espécie, quero ter mais três, uma casa grande, de frente pra praia (eu sei que você ama praia), areia no chão, um ou dois cachorros. Você me tornou uma besta, isso sim. Não se ofenda, não tem como falar todas essas coisas sem me referir a você como o culpado. Ninguém mandou ser demasiadamente lindo com cara de cachorro sem pai, mãe e dono. Acho que foi essa sua cara de “cuida de mim” que me encantou. Aflorou em mim esse instinto protetor que sei lá eu de onde surgiu. Eu sei que nunca te falei essas coisas, não desse jeito, não pra esse fim, mas ei, olha aqui, eu amo você. Amo tanto que não me dói falar essas coisas. Amo tanto que falaria de novo daqui uma semana se você pedisse pra eu repetir. Fica aqui essa noite, tira essa calça jeans, deita no meu sofá que eu deito no teu peito e a gente fica contando as estrelas do meu teto. Me beija, me afaga, se apossa de mim. A gente pede outra pizza, ou fica só na cerveja se você preferir. Esquece que você já não aceitou me querer, que eu esqueço também. Esquece que você já não foi meu, que eu faço de ti meu pela primeira vez todos os dias, até o fim. Esquece que eu já implorei, que eu finjo que você que se humilhou. Diz que me ama e por fim, me ame. Mas não pensa muito sobre tudo isso porque você é sensato demais e freia meus impulsos. Me abraça de uma vez porque meu corpo já ficou muito tempo sem a outra metade. Porque já fiquei muito tempo sem você.
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