Quebra de silêncio

Nada pior do que querer vomitar aquela mistura de sensações indefinidas que, apesar de insuportável, se revela castigadora ao relutar em sair de mim. E depois de tempos encarando o nada, cheguei à triste constatação de que saber que algo nos faz mal não tem nada a ver com não desejar algo que nos faz mal.

Digo, quantas vezes você abriu mão de alguém porque amá-lo significa se abster de amor próprio?
Encarei o celular, hesitante, mordendo o lábio inferior como se isso significasse abafar a vontade de ligar pra quem não merecia sequer passar pela minha cabeça.

Eu não tinha mais seu número na minha agenda, mas o sabia de cor - o que fazia eu me sentir burra e vulnerável, como se ter boa memória fosse um balão de gás escrito "eu te amo". Na minha situação, qualquer sinal de nostalgia era como se eu enterrasse uma adaga no meu próprio orgulho. Eu não podia nem pensar em pensar. Não seria justo. Não era justo comigo.

Sem querer, me lembro da mensagem há semanas recebida. Um "oi" bastante simplório e quase inofensivo, se não partisse de quem partiu e se não tivesse rompido meses de um silêncio libertador. Me lembrei também da ligação que, num ato de loucura, acabei por atender, e que me rendeu uma súbita sensação de justiça.

Claro que na prática a maior justiça que poderia ser feita era a do meu silêncio permanente e ressentido - cheio de asco. Mas uma vez atendida a ligação, só me restou o oposto do desprezo. Falei tudo. Despejei toneladas de mágoa, resignação e cansaço. Me mostrei sinceramente incorruptível e obstinada e até mesmo ofendida com a coragem do telefonema.

Eu ainda tinha nojo. Eu ainda tinha certeza do que eu queria. Eu ainda tinha saudade. Não dele, mas de mim e de toda a minha ingenuidade. Saudade da mulher demasiado tolerante e otimista. Saudade até de não conseguir enxergar malícia onde deveria ter somente amor.

Ouvir sua voz defensiva como quem pisa em ovos me fez pensar que de fato não perdi nada, muito pelo contrário, e que aquilo que eu julgava ser amor, era uma fantasia - eu amava a ideia de amar. Desliguei o telefone certa de que ligação nenhuma no mundo me faria desistir da coisa mais linda, sólida e permanente que já tive: o amor por mim mesma.

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