O que minha cama diz sobre mim

Havia chegado onde eu queria: minha cama. Era ali que me escondia desde que nasci. E, sem cobertas, nada feito. A vida toma outro significado quando você admite que é covarde e é isso que eu era naquela madrugada de sexta-feita e em todas as madrugadas dos últimos vinte anos. Covarde.

Eu me deitava e parecia que quanto mais meu corpo descansava, mais minha mente trabalhava. Precisava de um emprego, pagar as contas, recolher os cacos de vidro do chão do meu quarto; ser um bom filho, um irmão presente, um cidadão de bem. É por isso que, sem as cobertas, nada feito. Porque mergulhava nelas e mentalizava que eu não era ninguém até que minha cabeça doesse ou que eu pegasse no sono. Era mais fácil acreditar, por uns instantes, que eu não existia, do que aceitar, durante uma vida inteira, que eu não tinha coragem.

Sabia dizer do que não tinha coragem. Dar a cara a tapa. Mudar os móveis de lugar, adquirir vícios, mudar hábitos. Pirar, quem sabe. Ser um completo filho da puta ou um perfeito idiota, talvez. Recolher os cacos de vidro do chão. Eu só não sabia dizer do que tinha medo. Nem porque a cama havia virado minha linha de chegada. Eu deitava e acordava com o gosto de mediocridade na boca, que depois se misturava com o enxaguante bucal, depois com café, mas nunca, nunca saía. Eu tinha pensado em começar a fumar só pra ter algo a me dedicar. Me dedicaria todos os dias à tarefa de parar com o fumo e, quem sabe assim, dormiria menos.

Eu não sabia lidar com a ideia de ter abandonado quem eu era. Eu tinha medo de me abaixar pra recolher os cacos de vidro do chão e não me levantar mais. Aqueles cacos, distribuídos aleatoriamente pelo chão, eram pra mim como meus sonhos. Partidos, quebrados, espalhados no chão frio. Sabia que se fosse recolhê-los não teria forças pra levantar porque eu não tinha coragem de ver meus sonhos indo pro saco.

Todo santo dia que eu deixava de mudar os móveis de lugar, eu deitava pra me lamentar pelos móveis que ainda estavam nas mesmas posições. E o gosto da mediocridade virava cheiro, e ganhava mãos, e me tocava, me lembrando que eu não prestava nem pra ser um completo filho da puta. Porque eu deixo tudo pela metade. E ser um meio filho da puta seria demais pra mim.

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