Espada de dois gumes

Ouça o despertador tocar junto com o nascer do dia. Abrace a cama por mais um tempinho, pense em dormir o dia todo, mas logo expulse essa ideia de você. Sente-se, se espreguice, sinta o frio do chão em seus pés, sinta frio. Se olhe no espelho e ria da sua cara amassada, comece o dia sorrindo – mesmo que pareça não surtir efeito -, encare um ponto fixo por alguns minutos para se situar e lave o rosto, sinta a água molhando cada decímetro, escove os dentes e se sinta limpo. Tome um banho, esqueça do mundo, cante bem alto ou fique em silêncio, mas pense que um dia em branco espera por vitórias ou até mesmo derrotas – lê-se experiência, triste é associar perda à tristeza, detrimento permanente. Bonito é perder com classe, reparar o erro, tentar de novo. Um dia você vai conseguir, eu sei que vai. Todos conseguimos. – Coloque a primeira roupa que vier à cabeça, saia na rua com um ar impertinente de quem sabe que nasceu para vencer e desbravar todos esses mares que nos cercam. Lembre que dar o melhor de si não necessariamente se implica em viver em uma competição eterna com o próximo, não há necessidade de passar por cima de ninguém. Você tem valor e em alguma hora do dia, ou algum dia do ano alguém vai notar. Mas nunca dê o seu melhor por reconhecimento alheio. Faça para poder chegar em casa no fim do dia com a certeza de que você cumpriu o seu dever, fez o que lhe fora imposto e até mais.

Sorria para as pessoas na rua e não desanime se não sorrirem de volta. Dizem que os olhos são as janelas da alma, mas o sorriso é a porta. A única porta que não precisa ser trancada à chave. Exponha-se, não tenha medo. Relacione-se com tudo e com todos. Imponha respeito e que seja recíproco. Sinta os segundos passarem, mesmo que a situação seja desagradável e sufocante. Não há tempo que volte muito menos que se recicle. Rotina não garante que viveremos a mesma coisa dia após dia, é só um jeito uniforme de nos dizer aonde ir, o que fazer e aonde chegar.

Sinta o ar e repare como o céu está azul, e se não estiver, perceba que o cinza também tem sua beleza. Sinta a chuva, o sol, o vento. Sinta. Cada sentido que lhe fora dado é um lembrete contínuo e permanente de que você vive, por isso, viva. Não apenas exista e não me pergunte como fazer isso. Lá no fundo você sabe. Quebre regras, destrua padrões, seja diferente à sua maneira. Se olhe no espelho e se sinta singular – e não deixe que lhe façam acreditar no contrário, por favor.

Descubra-se, garanto que há muito de você que não lhe foi apresentado ainda. Existe todo um tesão em viver, você sabe, não sabe? Esse mistério, esse cheiro de vida encoberta...

Suje os sapatos na poça, bata com o pé na ponta do sofá, fale palavrão. Exploda, recomponha-se, mas não desconte em ninguém. Seja profissional, sorria sem vontade, mas faça o dia de alguém melhor. Não tenha medo de desmoronar, procure a pessoa certa para cair aos prantos e recomponha-se de novo. Coma muito, faça dieta, malhe ou tire um dia de ócio. Mas por favor, sinta a vida em suas veias. Não caia na besteira de achar que da veia só sai sangue, glóbulos brancos, vermelhos e hemácias. Não acredite que no coração só se purifica o sangue e só se produz o famoso “tum-tum” que nos mostra que estamos cientificamente em atividade vital, que do pulmão só se filtra oxigênio e todos os elementos indispensáveis para nos mantermos vivos. Há muito mais, você sabe. A vida tá no sangue, cria-se amor por ela dentro do coração e é todo um processo para chegarmos ao fim do dia cansados, sim, mas realizados, apaixonados e prontos para recuperarmos o que foi perdido, admirarmos o que ganhamos e pensar naquilo que ainda não fora conquistado.

Com o passar do tempo percebemos que estar vivo cientificamente é muito pouco, que o “tum-tum” do coração ainda não diz nada, que o metabolismo é apenas uma peça perdida do quebra-cabeça. Fora-nos dado a linha e a agulha, mas cabe a nós costurarmos e bordarmos na vida um desenho novo. E não digo isso por sofrer de boa consciência ou por rezar algum mantra da vida perfeita. Sei que na vida chora-se, ri-se, perde-se e ganha-se, só estou querendo dizer – e viver – que tudo pode ser feito e sentido, sem medo. Digo isso a você por querer pra mim. Porque tentamos e andamos e rodeamos mil maneiras e tudo ainda parece perdido e deslocado. Mas sei que chagaremos lá. Lá onde? Não sei. Onde você quiser.

Nenhum comentário:

Postar um comentário