Nem passava pela minha cabeça que depois de tanto tempo eu ainda teria tanta coisa pra te dizer.
Não sei. É que a gente cresce ouvindo que o tempo cura tudo, que não há espaço na memória para todas as lembranças e quando nos lembramos de cada mero detalhe da história, levamos um choque de realidade.
Foi o que aconteceu comigo. Não, deixe-me concluir. Foi difícil chegar até aqui e por pouco não estou me asfixiando com todas essas palavras que querem sair de mim, todas ao mesmo tempo.
Quando eu vi que o tempo passou (a meu ver, suficientemente) e que você ainda penetrava as entranhas do meu coração, foi excruciante. Com licença, vou me sentar. É bom que você se sente também. Foi necessário me adaptar a essa sensação de ser cativa a ti.
Você me conhece, sabe que meu prazer e minha ruína estão em ser impulsiva. Nós sabemos que assim que eu me levantar e sair pela tua porta, vou me arrepender de cada palavra que eu estou dizendo. Que vou procurar os passos certos para me afundar em casa até você me ligar e dizer: “pensou bem em tudo que você me falou?” – como se você não soubesse que sim, que pensei, e que continuarei pensando pelos próximos tempos até que você inverta – ou não – a situação.
Se for pra ser assim, que seja. Mas preciso te dizer que descobri que não precisei te tocar uma vez sequer para que tivéssemos um relacionamento. Que você, quando se foi, levou meu coração do mesmo modo que levaria se tivéssemos tido um relacionamento real, físico, sem ilusões. Não faça essa cara. Você sabe que tenho razão. E percebi também que gritei meu amor a toa. Que quando fui posta à prova, fraquejei. Não me venha com essa de que não preciso te provar nada, eu é que decido o que tenho ou não tenho que fazer. Vamos parar com a cerimônia e sejamos francos.
Preciso ouvir o que você pensa sobre isso. Isso o que? Isso, nós.
Sinto que te conheço tão bem. Que você é o rei das pequenas atitudes, o que te enobrece, mas vou confessar que fui mesquinha e não percebi tamanha nobreza. Tudo bem. Esqueçamos o antes. Você, ein? Parece que dói falar do que não foi... É eu sei que dói. Sei mesmo. Encaremos os fatos: eu te amei mais que qualquer namorada sua. Não me interrompa, vou concluir. Elas tiveram motivos pra te amar. Você as amava de volta, então era recíproco, gentil e bonito. Eu te amei sem pé nem cabeça. Sem começo nem fim. Te amei. Amei mais teus defeitos, porque era isso que me sobrava. Estudei cada parte do teu corpo, pelo menos aquelas que eu pude alcançar. Percebi teu jeito, tuas caras, manias. Ok, eu sei que é muito pouco perto do que você realmente é, mas eu precisava de lenha pra alimentar o fogo, sabe?
Aí você se foi e me levou junto, porque o que ficou aqui foi resto. Fiz corpo presente. Porque a mais remota possibilidade de você e eu passarmos a existir passou a ser zero, e isso me consumiu por dentro. Achamos um jeito de estarmos juntos, você pelo físico, eu pelo amor... Quem diria. Vergonhoso, falando assim... Você quem quis. Mas cansei. Te abandonei e me trouxe de volta. Não por inteiro, caso contrário não estaria aqui na tua frente me declamando. Chorei, ri, senti, amei você, em você, por você. Mas no fim descobri que foi eu, em mim, por mim. No final das contas, quem cresceu foi eu. Quem me amou mais foi eu. Quem te esqueceu, foi ninguém. Eu pelo menos, não fui. Pronto, cheguei aonde eu queria: te dizer que você ainda tá aqui dentro, ainda dói, ainda me machuca, ainda me alegra, me excita, me apaixona. Que você ainda é você bem lá dentro do meu eu. Calma, você já vai entender.
To querendo dizer que aprendi como as coisas funcionam. Então eis a questão: você quer se fazer crescer dentro de mim ou posso deixá-lo ir? Mas lembre-se, se você quiser ir, não me levará mais consigo. Não serei mais apenas corpo presente. Serei eu por inteiro, e você... Quem sabe seja só uma metade podre longe de mim.
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