Pai é pai

Há quem desmereça os pais por não terem amamentado, por não terem seios para sofrer o efeito da gravidade, por não acordarem todas as noites a fio. Há quem desmereça os pais por não terem sentido a dor do parto, por não terem carregado um ser dentro de si. Pois digo que é a pior das ignorâncias.

Pai também padece no paraíso. Também sente a dor do parto. Também perde o sono. A mãe e o bebê estão continuamente interligados pelo cordão umbilical, o bebê chuta, se engraça. A mãe sente. O pai não. Imaginem a ansiedade: algo que partiu dele, mas que ele só vai tocar e sentir dali uns meses.

O homem, comprovadamente, demora a amadurecer, não nega o colo da mãe e procura uma esposa que possa dar o que ele teve na infância e um pouco mais. Mas chega o momento em que tudo que ele aprendeu vai ser exemplo para um ser pequeno, frágil, acessível. Ele será alvo de admiração e orgulho.

Lembro que meu pai catava em sua longa vida histórias para me contar, lições para me ensinar. Queria sim me privar de todo mal do mundo, mal que ele já havia visto, sentido e vivido, mas no fundo sabia que não conseguiria me trancar num potinho. Aí é que o pai sofre. Saber que por mais que fale e ensine, seu pequeno fruto procurará aprender por si só.

O homem que um dia brigou em festas, usou drogas e que era visto como cachorro entre as mulheres, hoje é o pai que chora na apresentação de teatro do filho. É amado de um jeito incondicional por uma pequena vida.

Não estou agora desmerecendo as mães, mas enobrecendo ambos. Sem disputas.

Porque ser pai é matar e morrer pra proteger, é querer viver mais cem anos só pra estar perto, mas sabe que isso não é possível, então começa a aprender muito mais só para ter o que ensinar. Só para se deixar marcado na memória do seu pequeno fruto. Sei disso porque foi o que vi meu pai fazer. Meu pai já cometeu a insanidade de me prometer que viveria até os duzentos anos só para me fazer parar de chorar. Meu pai deixava que eu dormisse com o ouvido em seu peito para que eu pudesse dormir em paz, tranquila, acreditando que seu coração continuaria batendo até sempre.

É por isso que faço questão de vir enobrecer os pais de todo o mundo. Porque já houve o dia em que deitei meu ouvido no peito de meu pai e não ouvi mais nada. O dia em que ele não procuraria mais histórias para me impressionar.

Pai geralmente é bravo, ríspido, acanhado, sem saber como lidar conosco. Pra dizer um “eu te amo” é um sufoco, mas é bobagem. Quando ele diz que ter tirado uma nota boa era obrigação sua, lá dentro ele está explodindo de felicidade, querendo gritar na janela que foi ele quem fez você assim, tão inteligente. Quando ele te deixa de castigo pelas notas ruins, ele está decepcionado consigo mesmo. Sentindo que poderia ter feito mais por você.

Se não deixou você ir naquela festa que todos os seus amigos vão, é porque já teve a sua idade e sabe o quanto ele já bebeu, fumou e transou nessa vida. É porque ele já viu que leva tempo para recuperar o que se perdeu, e que muitas coisas nem se recuperam mais. Se ele não te dá dinheiro, é porque quer te ensinar que se ele conseguiu sozinho, você pode também. É porque ele teme que você não saiba como agir quando ele não estiver mais aqui. Um pai só espera que seu filho não cometa os mesmos erros que ele. Só deseja ter muito a ensinar.

Naquele dia em que o coração do meu pai se calou, eu me esqueci que já era grandinha e em prantos o confrontei dizendo que ele havia prometido ficar comigo mais duzentos anos. Mesmo sabendo que ele não responderia, e que mesmo que respondesse isso não poderia ser feito. E sabe o que mais me deixa feliz? Que um pai nos ensina até o último momento de sua vida. Com o último suspiro do meu pai, eu entendi o que é a paternidade. Aprendi que cada filho precisa valorizar seu pai, seja ele bravo, bobo, gordo, pobre ou velho.

Pai é pai. E nem sempre eles sabem o valor que têm pra você.