Amor, golpe de misericórdia

Não dá, não dá mais. É tão mais fácil ser a vítima, tão mais leve ser o afetado, despedaçado, enganado. Tão mais poético falar que demos tudo que tínhamos e ficamos à deriva. Tão mais amável ficar depressivo em casa, com os amigos ligando preocupados oferecendo o mundo em troca de ânimo, de superação, sei lá. Até o porteiro olha diferente, com pena de ver mais um coração partido. Mas e quando a gente é o filho da puta? Tudo bem, nem sempre é intencional, mas nesse caso os fins não justificam os meios e nesse mesmo fim a gente é tido como filho da puta e ponto final. Acontece. E a depressão não existe, os amigos não têm com o que se preocupar e o porteiro nem imagina que a gente anda por aí estraçalhando o coração alheio.

Ciclo da vida, é o que dizem. Nascer, crescer – se apaixonar, se foder, se apaixonar, foder os outros -, reproduzir e morrer. Dessa vez a gente não é quem apanhou e não esqueceu, e sim quem bateu – e também não esqueceu. Você tá entendendo? Tô falando da amargura de fazer alguém sofrer, cara.

- Eu gosto de ti. Gosto mesmo. Inteiramente.

E aí que você não tem nada pra dar em troca. É você quem rejeita o tudo de alguém e o deixa à deriva. O ser humano é naturalmente tão estúpido que é como se fosse lei não retribuir o afeto alheio, jogando pérola aos porcos.

A gente passa anos implorando pra achar alguém que nos perceba e aí quando encontra a gente faz o quê? Rejeita. Isso mesmo. Ignora, diz que essa pessoa vai encontrar alguém melhor e por aí vai. Não, não tô pretendendo chegar a lugar nenhum. Não sei nem se existe solução pra esse tipo de coisa. Corações são partidos, partem corações por aí - quase uma cadeia alimentar. É como se a vida se resumisse a uma eterna inversão de papéis entre carrasco e condenado, onde o amor é o golpe de misericórdia que nos divide entre santos e pecadores, vítimas e réus.