É fácil amar alguém normal

É fácil amar alguém normal. Sabe? Alguém que não te irrita, que te completa, que evita briga e até mesmo que te obedece – é fácil amar uma versão submissa de você, uma vez que você não é, nem em pensamento, obediente. Essas foram todas as minhas ex namoradas. Você pode achar deselegante eu comentar delas, as outras, mas talvez só traçando uma linha de comparação você seja capaz de entender.

Ela era sordidamente mais desorganizada que eu. Creio que seus armários ocupavam lugar em seu quarto por puro desencargo de consciência, já que tudo que possuía se espalhava quase que metodicamente pelo chão. Era bom ter alguém que não reclamava da minha bagunça, mas ela desarrumava a dela e ainda mais a minha, nos tornando dois detetives na procura incansável de controles remotos, meias limpas e celulares dentro do buraco negro que era a minha sala. Sucinta. Não que não falasse demais, Deus do céu, falava pelos cotovelos, tornozelos, pelo corpo todo, mas quando eu mais precisava que ela falasse, era crua e difícil de engolir feito cenoura com casca. Dirigia de forma que me causava 45 infartos por hora, ria da minha cara sempre que freava abruptamente e sibilava um “shhhhhh!” com força quando eu gritava exigindo que ela voltasse pra autoescola. Nunca foi do tipo que espreme espinhas do namorado pra demonstrar afeto. Ela tinha nojo e eu que me sentisse amado assim mesmo. Tinha vontade de fazer amor nos lugares e nas horas mais inapropriadas possíveis, e ficava emputecida se não satisfazia sua vontade. Não, ela não era fria. Passava tempos me observando com o queixo apoiado na minha costela e um meio sorriso malicioso.

- O que tá olhando?

- Tô escrevendo um texto novo.

- Aonde tá?

- Aqui. – e apontou para a cabeça com o indicador direito.

Eu que sempre fui irredutivelmente mandão sofri dores de parto com a audácia dessa garota. Se eu dizia A ela fazia Z. Não por ser do contra, mas por ser naturalmente do avesso sem esforço nenhum. Certa noite ela saiu bufando do meu apartamento vestindo apenas uma camiseta velha e uma calcinha rosa que dizia “Love me hard” na bunda, porque viu uma ligação perdida de uma determinada ex no meu celular. Foram trinta e três minutos do que eu chamo de pura demonstração de afeto enrustido, seminus e descalços no meio da rua.

Ela deu trabalho. Mas também me deu noites e dias ensandecidos de sexo, crises de insônia, ciúmes, abraços, textos e mais textos me amando e me odiando. Ela me deu o que eu não sabia que existia: a capacidade de amar alguém que eu julgava impossível ser capaz de amar. E as outras que me completavam ficaram pra trás porque ela não me completava, mas me transbordava de tal maneira que muitas vezes me via afogar. Deveras me afoguei, e não acho que eu vá encontrar outra calcinha-love-me-hard tão desbotada e desobediente quanto a dela.

Nenhum comentário:

Postar um comentário