Dentro do nosso desajuste

Eu sou demais pra você, que é de menos pra mim. Não, olha, não tô sendo arrogante, presta atenção. Eu sou amor demais e você é atenção de menos. Eu sou desistência de menos, e você renúncia demais. Eu sou a tua palavra de conforto enquanto você é o silêncio inocente e despreocupado entre nós. Vou dormir sempre furiosa, vingativa, esgotada. Acordo sempre com saudade numa mão e esperança na outra. Esperança de que as coisas se acertem, que o mundo pare pra eu me ajustar e que meu corpo não se contorça toda vez que ouço teu nome. 
O problema é que eu não sabia fazer outra coisa senão esperar por você. Até que você chegou. E foi tão estranho quanto esperar por você por todo aquele tempo. Sabe, você entrando pela minha porta, sentando no meu sofá, rindo da minha geladeira vazia, fazendo carinho no meu cachorro. Não dava nem pra processar a ideia de você entrando no meu quarto, encarando minha bagunça, olhando minhas fotos na parede. Somos tão desajustados dentro da querência dos nossos corpos que dividir o mesmo espaço contigo me tira o ar. Você me tira o ar. O ar, a fome, o orgulho, a noção. Mas aí eu vejo você entrando pela minha porta, sentando no meu sofá, encarando minha bagunça e tudo fica tão... Certo. 
É isso que me apaixona e me desespera: tudo fica certo dentro do nosso desajuste. É como pegar fogo na água, filosoficamente falando. Pode rir. Se eu sou demais é pra suprir aquilo que você é de menos. E o que você é de menos parece com a serenidade pra agitação da minha alma. Entendeu? Nosso desequilíbrio funciona como uma equação exata daquilo que somos somado com aquilo que precisamos ter um do outro. E te preciso, assim de menos, assim sereno, na bagunça do meu quarto e do meu coração.

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