Amor não se adapta

A gente passa uma vida querendo se apaixonar. Desiste, se desespera, se conforma com a solidão, se revolta com a solidão, abraça o vazio da cama, fica sem dormir. Se muda para o bar, vira o terceiro elemento dos casais amigos, chora com filme de comédia romântica, acha o amor uma palhaçada.

Enquanto não se apaixona, a gente passa uma vida inteira fingindo que não quer se apaixonar. Promete pra si mesmo que não vai ficar como seus amigos apaixonados que somem, que só falam dos seus relacionamentos e que atendem o telefone falando "Oi, mô! Que saudade de você". Mas promete com medo. Medo de morder a língua. De usar diminutivo pra tudo (abraçadinho, amorzinho, beijinho... Um martírio pro ouvido alheio). De pular de um avião sem paraquedas. Medo da coisa que a gente mais quer e menos conhece.

Aí a gente diz em frente ao espelho que é capaz de personalizar o amor. "Eu não vou ter ciúmes, não vou aceitar apelidos carinhosos, vou ter um final de semana só pros amigos... Eu não vou mudar. O amor que se adapte."

Lamento, mas não, o amor não vai se adaptar. Não importa se você recém começou a faculdade, se acabou de ganhar um carro, se tinha um intercâmbio de cinco anos no exterior planejado pro mês que vem. Ele chega quando quer. E deixa até você pensar que tá no controle da situação. Você consegue resistir, não atender, fazer um charme, fingir que não se importa, não dar carinho, não chamar de "mô". Mas esse suposto controle tá com os dias contados, viu?

Você que se imaginava morando sozinho e fazendo farra toda sexta-feira à noite começa a querer passar o sábado em casa, debaixo das cobertas, juntinho (olha o diminutivo aí), vendo TV . Você que era espaçoso, começa a dividir a cama de solteiro com a maior felicidade do mundo. Você que morria de raiva dos amigos que sumiram, começa a sumir também. Acredite se quiser. É inevitável. A gente não pode mudar o amor.

Amor é vício. Vontade exacerbada de estar perto. É paciência - e como! É tesão sem fim, a qualquer hora, em qualquer lugar. É a certeza de poder passar o resto da vida dentro do mesmo abraço, beijando a mesma boca e amando o mesmo amor. É olhar todas as pessoas na rua e todas serem sem graça. É estar em uma pocilga ou no lugar mais legal do mundo, e desejar a presença do outro.

Amor é sede. É fome. Amor não manda aviso, não marca horário e não pede licença.
Amor não se adapta, quem se adapta é você.

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