Estranho

Fiquei um bom tempo tamborilando os dedos em cima da minha mesinha. Encarando essa folha, experimentei os mais contraditórios sentimentos. Fui sua amiga, e por me encontrar com vontade de te escrever, percebo que ainda sou. E amigos sentem falta de boas memórias e você me rendeu várias. Mas vi que você está feliz, como merecido, e isso faz com que eu me sinta a mais egoísta dos mortais. Agora me dou conta que sinto falta das boas memórias que meu grande amigo me rendeu, mas que sou egoísta por querer dar um alô. Ao mesmo tempo, vejo a data de hoje e um tempo razoável já se passou desde que rompemos todo o tipo de comunicação. O que é um forte indício de que você não sinta nenhum rancor ou tristeza pelo desfecho da nossa história e consequentemente me ache demasiado ridícula em ainda dar importância a isso. Pra você ver que eu nunca superei o fato de, em algum ponto das nossas vidas, eu ter te deixado triste. E eu queria que você fosse capaz de ler este meu sinal de vida e sentir que: cacete, muita coisa mudou desde então. E desde então eu estou feliz, acordo, tomo banho todos os dias, bebo com e sem os amigos, me apaixonei por alguém que gosta de mim também. Pronto, eu nem preciso saber, mas se você lesse isso e se sentisse exatamente assim, inconscientemente valeria a pena. E talvez eu pudesse até me perdoar “pelo saco de ausências que eu fui e que você carregou por tanto tempo.” Você é o amigo que mais me doeu até hoje porque a gente nunca sabe quando alguém, sem querer, vai ultrapassar a fronteira entre a amizade e a paixão. E porque amizades se perdem nesse ínterim, enquanto finalmente entendemos que “não era pra ser” é bem mais simples do que imaginamos. Queria poder sentar naquele mesmo bar – aquele em que você me escreveu o bilhete que dizia “Me apaixonei por você, mas sei que posso acabar com isso agora, e acabo de acabar.” – e conversar com você como se toda essa parte não existisse. Sei que cruzei contigo em outros bares que não esse, e teu olhar cruzou com o meu como se tivesses apagado da memória qualquer lembrança vinculada a minha pessoa. O que faz de mim uma completa estranha. Uma completa estranha diante do meu grande amigo que me rendeu boas memórias. Então, não me interessa saber se esse olhar vago de desconhecimento é sinal de uma mágoa que ainda palpita ou se é um superar a ponto de não valer a pena mostrar quaisquer sinais de reconhecimento. Se é que um dia essa carta vai chegar até ti, espero que leias e sintas que, finalmente, tempo suficiente passou. E que você está mais feliz do que pensava que merecia. Mesmo que a gente se cruze em outros bares e você finja não me ver.

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