O cheiro do café estava me enjoando porque o dia estava quase sendo noite, sem contraste, pouco brilho, em suma, nublado, frio. Havia feito calor e o sol aparecera trazendo à vista o que com muito esforço tentamos esconder. Sim, porque a mensagem subliminar da vida é viver para escondermos nossos pensamentos, sentimentos, cartas e afins. Para escondermos quem somos de nós mesmos e por fim, do resto de mundo.
O cheiro do café, agora morno, estava me enjoando porque tudo me enjoou naquele dia. Inclusive a vizinha regando as flores, os semáforos piscando, a vida vivendo...
A gente vive para esconder quem somos, mas deixe eu lhe contar algo pior: sempre vem alguém, pavorosamente curioso, querendo ser o sol que revela tudo a todos. Alguém que faz questão de te virar do avesso até que nada seja oculto. Até que sejamos de superfície em superfície.
É esse alguém que me enjoa e me fez ser enjoada em tudo.
Quando não há amor exibimos nosso “eu” sem medo, mas quando amamos... Ah, querido... Quando amamos certamente engolimos uma pílula que nos faz acreditar que quem somos não será suficiente a quem amamos. Então enterramos nossas cartas, sentimentos, promessas e a nós mesmos dentro do nosso dentro. Tão dentro que nos camuflamos em nós. Até que sejamos sem ser, até que ninguém note. Embora sempre precisados de atenção, engolimos a nós como quem toma um xarope gosmento e azedo: fecham-se os olhos, tranca-se a respiração e engole-se tudo de uma só vez.
Nos engolimos assim até vir a ousadia em pessoa, ousadia com pernas, braços com mãos e mãos com dedos que se enfiam em nossa goela até que nos vomitemos a nós. Geralmente contra nossa vontade, porque estávamos apunhalados e incrustados tão lá dentro que cada efêmero toque dói já na superfície. Na realidade, dói só de sentir o cheiro da intenção tua de me sacudir, me tirar o sono e me quase me arrancar os cabelos.
Agora cá estou. Vomitada de mim, me sendo e te amando porque assim o quisesses, então nunca pense em dizer que é minha culpa, você sabe que foi você quem suscitou o amor de nós dois.
O café e tudo mais que tanto me enjoa só me enjoa porque amar tem sido – na verdade sempre é – uma eterna viagem de canoa em pleno Oceano Pacífico. Sacolejos e mais sacolejos e tudo mais que nos dá ânsia.
Reduzir o amor à enjoos e vômitos também é sua culpa porque borboletas no estômago também me enjoam e é isso que você me traz: amor, eu, cartas, cafés, vômitos e afins. Você traz a ti e a mim, um “eu” que nunca me permiti ser.
Já confesso: estar enjoada faz parte de mim. Assim como as borboletas. Assim como você.
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