Desistência

Se eu me entregar você vai embora. Quem disse? Eu disse. O cheiro dele se misturava ao meu resultando numa mescla cítrica adocicada com aroma de conforto e apreensão. Mas a gente não sabe onde isso vai dar. Eu sei que não; não precisa dizer que vai dar certo, mas também não precisa ter essa convicção imatura e arrogante de que vai dar errado. Dar certo ou errado é uma questão de ponto de vista. Os olhos dele encaravam os meus sem vergonha, como quem acredita piamente no que diz. Ah, esse papo não. Que papo? Essa lorota de que tudo é relativo. Sua mãe deu pro seu pai e você nasceu, isso não é relativo, nem depende de ponto de vista. Ele riu, translúcido, desengonçado, e desviou o olhar se sentindo indefeso porque eu tinha razão. O que é "dar certo" pra você? É não dar errado. Esclarecedor. Agora ele me fitava sério, atordoado, querendo entender meu discurso. Dá certo quando eu tento e você tenta junto. Dá errado quando só um tenta. Você tá tentando? Incomodado, procurou uma posição confortável para acomodar seu corpo de dois metros de altura. Sua mão repousou sobre minha coxa me fazendo gritar por dentro: "sim, eu tô tentando! Por favor, por favor, por favor, tenta você também." Não sei, você tá? Como se despertasse de uma hipnose, se inclinou em minha direção. A respiração dele ofegava, ligeira, afoita e necessitada. A minha era escassa e moribunda. Cada vez que eu entro por essa porta eu tô tentando. Quando eu coloco um abraço no lugar de um beijo eu tô tentando. A questão não é estar tentando, mas desistir de tentar. Se eu desistir você vai saber porque é visível a desistência de alguém. Não importa quantas vezes eu penso em ir embora, mas quantas vezes eu penso em voltar.
Respirei fundo. Não é que não estávamos tentando, só não estávamos desistindo. Sorri.

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