Incurável

Parece que você sempre vai ser a ferida que não cicatriza, a dor que não anestesia, a intenção que me tortura. Juro que me dói tão fundo, tão lá dentro, que parece que nunca vai passar. Parece que nunca vai acabar o efeito que você tem sobre mim. Cada beijo em cada boca que não é a tua me fere como se fosse heresia, como se eu profanasse o meu amor por ti. Como se não bastasse as tuas permanências em mim, meu coração me exige lealdade para contigo. Mas você não vem, Deus do céu, você nunca vem mas age como se estivesse sempre prestes a vir. Você não vê como perturba o teu rodear malicioso sem querer chegar a lugar algum? Não percebe que é desumano esse teu brincar com o meu coração? Por que não assume o desejo e vem e me rapta e me toma pra si? Ou por que não recolhe as migalhas de dignidade que sobraram e parte, como homem, mas que vá pra bem longe de mim e deixe só a mim e a dor de não ter te tido. Sim, porque prefiro a dor de nunca ter te tido do que a dor de não te possuir por inteiro. Metades machucam. Migalhas destroem. Já não tenho mais forças pra essa história desconexa, clichê e dramática demais. Chega uma hora – e essa hora chegou pra mim – que a gente não consegue mais lidar com coisas indescomplicáveis. Não há santo desatador de nó que desenrole o nosso (des)caso. Não posso mais sucumbir à voz que me diz pra não desistir se essa voz não é tua. Não posso insistir se você só aprecia a insistência, o valor, o apreço. Cansei de acreditar que não sou suficiente, quando você que é ruim demais. Ruim pra amar, ruim pra ser amado, ruim de enxergar quem te ama. Não, isso não muda os fatos. Parar de tentar não significa parar de amar. Amor é digno de ser sentido, é um privilégio senti-lo e, por isso, é necessário dá-lo a quem queira recebê-lo. Entendeu a diferença? Eu sei que acabei criando uma infinita reticência de tantos pontos finais que já coloquei em nós. Vivi me apoiando nessa ideia de continuidade, de possíveis mudanças, de amor abstrato pseudo-platônico irrompendo as barreiras do irreal até atingir a superfície física e a profundidade épica desse sentimento que abrasa meu peito e destroça meu fôlego. Você sabe qual é o sinônimo de reticência? Silêncio. E é isso que você sempre me deu. Doses intermináveis de silêncio. Meias palavras, olhares vagos, respostas frias. Quando paro pra pensar nos teus silêncios fica tudo tão claro, tão resolvido, como se fosse óbvio que te esquecer é a única cura pra essa ferida incurável que é você em mim. Mas a facilidade nunca é o caminho mais fácil a seguir. Eu nunca me interessei pelo fácil, e sei que você também não, e que é por isso que você desdenha do meu amor. Ele é assim fácil, rendido, exposto, teu. Assim como eu. Te entendo.

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