A casa está vazia. É madrugada e eu precisava estar dormindo, mas não dá, não posso, não consigo. Morar sozinha tem suas desvantagens em momentos como esse. Está tudo exatamente como eu deixei antes de sair, a louça de quando cheguei do trabalho ainda está na pia e tudo continua vazio e intacto desde quando acordei atônita e desesperada e aflita e pronta pra enfrentar mais um mar de pensamentos maltratantes. Meu rim dói, minha coluna dói, minha cabeça dói, meu coração dói. Não é velhice não, quando algo está em desuso, fica enferrujado. Apesar da minha rotina de robô super produtiva, meu corpo tá paradinho, acumulando energias, esperando para se doar. Caminho pela sala e me deparo com a imagem mais obscura de mim ao me olhar de relance no espelho: cabelo armado, olheiras roxas e fundas, camiseta manchada e só. Essa sou eu, por dentro e por fora. Me sinto sufocada, ando em círculos, abro a janela, acendo um cigarro, olho pra fora – a cidade dorme, iluminada, e eu queria que o vizinho da frente abrisse a janela e me convidasse pra aproveitar a insônia e tomar uma cerveja, ou um uísque, ou um porre dos dois.
Achei que morando sozinha minha própria solidão me faria companhia, mas a casa tá vazia, como eu já disse, e eu me sinto deslocada aqui. Ignoro o sofá de três lugares e sento no chão da sala olhando pra parede. Lembro do que Caio Fernando Abreu disse: “Não faz diferença se você vem amanhã ou não vem. Desisti de esperar por alguém cuja ausência me faz companhia.” Não faz tanto sentido agora. Eu preferia entrar no quarto e ver a sua toalha molhada em cima da cama. Eu preferia deitar no teu peito quando a insônia tentasse invadir. Olha, a sua ausência não é uma companhia tão boa quanto a da sua presença, e, sentada aqui nesse chão frio, eu percebi que nem ao menos desisti de esperar por você. Eu quero comprar a cerveja que só você gosta e lotar a minha geladeira delas. Quero comprar um lingerie novo pra você mesmo sabendo que você não repara essas coisas. Eu queria qualquer coisa desde que eu estivesse com você, ao invés de sentada, sozinha, encarando a parede. A vida não vai parar por causa da minha insônia regada a dor de cotovelo e saudade e lamúrias. Daqui a poucas horas a cidade inteira vai acordar, inclusive o meu vizinho que não me chamou pra tomar uma cerveja, e eu vou arrumar meu cabelo, disfarçar as olheiras, armar um sorriso de quem não é sozinho e não espera por ninguém e enganar todo mundo na rua, porque, apesar de estar sozinha, dividir minha solidão com eles não me adianta de nada se eles não te derem meu endereço e te fizerem mudar pra minha casa. Me faço de bem sucedida, imponente, resolvida, mulher, e olha pra mim, sozinha nesse apartamento frio, colecionando xícaras de café e pilhas dessas cartas que sempre faço pra você. Incrível que quando se trata da sua ausência eu fico como uma menina ao relento. Você me tem como uma menina ao relento. E eu cansei de brincar de casinha sozinha.
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