Tomei providências pra não receber atualizações da vida dele. Cortei laço com as irmãs, com a mãe e com a ideia de tê-las junto da minha família também. Aboli o sentimentalismo das nossas conversas, perguntava sobre “as outras”, depois sobre “a outra”, do trabalho, da vida, mas nunca mais perguntei “e nós?”. Fiz o que sempre julguei como sendo a maior estupidez do universo: varri o amor pra debaixo do manto terrestre e deixei lá, em stand-by. As conversas eram mais fáceis, delicadas, com limites. O que foi que aconteceu? Nunca tivemos limites. Aliás, isso nem cabia entre nós dois. Nunca fui de impor nem de respeitar limites porque sempre achei que fosse obra do homem, do capeta, uma conspiração contra a liberdade lírica do ser humano. Eu achei que deixando o amor de lado ia fazer com que ele se apagasse aos poucos. Mas foi como uma galinha chocando ovos: proporcionei todas as condições perfeitas pra que ele se desenvolvesse e ficasse mais forte até que quebrasse a casca e se mostrasse pro mundo. De novo. Ele não achava que eu era louca porque já tinha certeza disso há tempos. Nem ligo, nunca liguei. Um dia pedi pra que ele parasse de falar comigo (chutando o amor pra escanteio), alguns míseros dias depois fui choramingar as saudades pra ele (e lá vai o amor quebrar a casca de novo). Ele sempre teve uma forma curiosa de receber o meu amor travestido de drama espanhol. Um meio sorriso que se fazia inteiro ao se deparar comigo cantando Caetano olhando pra ele no meio do nosso grupo de amigos achando que ninguém perceberia. E não percebia mesmo, só ele, que estava atento a mim quando eu suplicava por negligência e desatenção. “Às-vezes-no-silêncio-da-noite...” e ele me olhava como se respondesse “eu-fico-imaginando-nós-dois...” e me fazia morrer por dentro, por fora, de cima a baixo, até sorrir por inteiro de novo e me trazer à vida. Eu também sempre tive uma forma estranha de admirar a forma como ele dormia pesado, de barriga pra cima, com os braços cruzados, como se estivesse pronto pra levantar a qualquer instante. A forma como ele tocava as coisas, as minhas coisas... Como ele me tocava. Não sei exatamente onde surgiu essa percepção de amor próprio se cantar Caetano pra ele me enchia de amor. Não sei por que cortar laços com a vida dele quando a minha vida fazia parte da dele. Nem entendi porque expulsá-lo de mim se ainda vou perambular muito descalça no chão gelado do apartamentozinho dele procurando pó de café, uma toalha limpa e o abraço dele na cama. Então fiz o que sempre julguei como sendo a coisa mais linda do universo: tirei o amor de debaixo do tapete, quebrei eu mesma a casca do ovo e falei: “tó, tá aqui. Toma que isso tudo é teu.”
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